Eis chegado o meu feriado favorito, o da minha homenagem anual e por inteiro aos Beatles.
Mas os Beatles! Ah, os Beatles! Forerunners, repito. Há música feita a seguir com mais qualidade. Simon & Garfunkel, a quem só não consigo perdoar aquele Cecilia, que tudo o mais é eterno. Outros. A minha maratona – o tal ritual, que consiste em ouvir a obra completa deles, do primeiro ao último disco, por ordem cronológica – já começou. Vai levar-me o dia todo. São 13 álbuns (um deles duplo) e ainda os imprescindíveis Past Masters I e II, com as músicas que não constam dos originais, como por exemplo We Can Work It Out (o que eu adoro esta música!), Hey Jude ou The Ballad of John and Yoko, entre muitas. A história é antiga e tem a sua graça. No dia 5 de Outubro de 1982 cumpriam-se os 20 anos do lançamento de Love Me Do, o primeiro single dos Beatles. Centenas e centenas de estações de rádio por esse mundo fora uniram-se numa gigantesca homenagem: nesse dia, durante 24 horas, SÓ passaram Beatles. Cá foi a Rádio Comercial. Eu trabalhava nesse dia ao almoço no Disaster (saudosos tempos, muito me ri eu por lá), coisa que me deixou desvairada. Bem tentei trocar de turno, mas como era feriado não arranjei ninguém que me substituísse. Mas teimosa como a MDP (mula do pior) que sou, fui munida de uma cassete. HOJE SÓ SE TOCA ISTO! – anunciei irredutível ao gerente. Ele achava-me graça. E tinha vivido o tempo dos Beatles e do yé-yé (ainda se lembram do que era?). Concordou. Mal saiu o último cliente (freguês, como eu gosto de dizer), passámos para a telefonia. Uma orgia de Beatles. E eu sempre a cantar e a fazer coro com eles, toda a gente parva. MAS TU SABES AS LETRAS TODAS DE COR?! Sabia. Continuo a saber. Estou agora deliciada a cantar este encantador Do You Want To Know a Secret?, do meu querido George. Que já não está entre nós. Morreu a 30 de Novembro, o mesmo dia de Oscar Wilde. Fui para casa em grande velocidade, para me colar à telefonia. Lá para a noite, havia um programa qualquer apresentado por Maria José Mauperrin, que tinha como convidados dois grandes especialistas em matéria de Beatles, David Ferreira (filho de David Mourão Ferreira, um amor de pessoa) e Bernardo Brito e Cunha, que eu uns anos mais tarde também viria a conhecer. Acho que o programa se chamava Jardim da Música. Telefonei para lá a refilar, porque achava inadmissível que em todo o dia não tivessem posto nem uma única vez She's Leaving Home e Revolution. Tinha as minhas razões, eram músicas fundamentais. Generation gap e coisas assim. Puseram-me em linha, em linha fiquei mais de uma hora a conversar com eles. À beira do sinal horário, a moderadora pediu que eu não desligasse, para podermos continuar a conversa a seguir às notícias. Dois ou três dias depois, vou ao Stone's. Vem o Nuno Debonnaire todo sorridente dar-me um beijinho. «Ó minha querida, você esteve brilhante!» Primeiro nem percebi. Depois ele explicou. Tinha-me ouvido. Não desde o princípio, mas desde os primeiros cinco minutos, talvez. E reconheceria a minha voz em qualquer lado. Fiquei roxa. Abreviando... desde esse dia decidi continuar sozinha a minha homenagem pessoal aos Beatles, na mesma data, tão simbólica. Um ritual religiosamente cumprido todos os anos – só possível por ser feriado. E daí, talvez não, que eu sou doida que chegue para tirar um dia de férias por tão nobre causa! O Victor costuma telefonar-me a meio do dia. Sabedor desta minha tara, e dependendo da hora, deita-se a adivinhar. "Deixa ver... pelas minhas contas, vais no Rubber Soul ou no Revolver..." Verifico uma vez mais, um sorriso da miúda que volto a ser escancarado de orelha a orelha, que continuo a saber de cor todas as letras. Que acompanho com um gesto tosco mas de grande precisão os famosos rufos de bateria de Ringo – ao segundo exacto. E que quando uma faixa chega ao fim começa imediatamente a ecoar na minha cabeça a seguinte, que eu sei muito bem qual é.
BEATLES FOREVER!
* Tirado daqui. Escrito faz hoje um ano. O Nuno de quem falo é o meu grande amigo Nuno, cuja missa de sétimo dia foi ontem. E que também era doido pelos Beatles.
São precisos ritos, aprendi isto ainda criança com a raposa do Principezinho. Neste mesmo dia, 5 de Outubro de 1962, foi lançado Love Me Do em single. Nunca o tive e não admira nada, já que tinha dois anos recém-cumpridos quando saiu. Como tal, a fotografia aqui publicada é tão-somente a do álbum, o de estreia deles, editado já em 63 (22 de Março – gravado numa única sessão a 11 de Fevereiro). Tinha a obra completa deles em vinil, tenho-a em CD. Incontornáveis. The forerunners. Eles e Mozart foram os meus primeiros amores na música e... old loves die hard. Principalmente para uma estúpida saudosista como eu. Ao longo dos muitos anos, de cada vez que estreio uma aparelhagem, é sempre com o mesmo disco: a 40.ª sinfonia de Mozart, a Filarmónica de Viena dirigida por Bernstein. Porque foi o primeiro disco que comprei, tinha doze anos. Tenho manias destas. Ontem ri imenso ao telefone com um amigo, cada um a explanar as suas taras particulares. Ele achou que eu era mais tarada que ele quando lhe contei como ia ser este meu feriado. Discordo. Ele ainda é mais tarado. Eu pelo menos não distribuo os bocadinhos rasgados de talões de multibanco por diferentes caixotes de lixo: limito-me a amarrotá-los e a atirá-los para o cesto de papéis ao lado da máquina.
Mas os Beatles! Ah, os Beatles! Forerunners, repito. Há música feita a seguir com mais qualidade. Simon & Garfunkel, a quem só não consigo perdoar aquele Cecilia, que tudo o mais é eterno. Outros. A minha maratona – o tal ritual, que consiste em ouvir a obra completa deles, do primeiro ao último disco, por ordem cronológica – já começou. Vai levar-me o dia todo. São 13 álbuns (um deles duplo) e ainda os imprescindíveis Past Masters I e II, com as músicas que não constam dos originais, como por exemplo We Can Work It Out (o que eu adoro esta música!), Hey Jude ou The Ballad of John and Yoko, entre muitas. A história é antiga e tem a sua graça. No dia 5 de Outubro de 1982 cumpriam-se os 20 anos do lançamento de Love Me Do, o primeiro single dos Beatles. Centenas e centenas de estações de rádio por esse mundo fora uniram-se numa gigantesca homenagem: nesse dia, durante 24 horas, SÓ passaram Beatles. Cá foi a Rádio Comercial. Eu trabalhava nesse dia ao almoço no Disaster (saudosos tempos, muito me ri eu por lá), coisa que me deixou desvairada. Bem tentei trocar de turno, mas como era feriado não arranjei ninguém que me substituísse. Mas teimosa como a MDP (mula do pior) que sou, fui munida de uma cassete. HOJE SÓ SE TOCA ISTO! – anunciei irredutível ao gerente. Ele achava-me graça. E tinha vivido o tempo dos Beatles e do yé-yé (ainda se lembram do que era?). Concordou. Mal saiu o último cliente (freguês, como eu gosto de dizer), passámos para a telefonia. Uma orgia de Beatles. E eu sempre a cantar e a fazer coro com eles, toda a gente parva. MAS TU SABES AS LETRAS TODAS DE COR?! Sabia. Continuo a saber. Estou agora deliciada a cantar este encantador Do You Want To Know a Secret?, do meu querido George. Que já não está entre nós. Morreu a 30 de Novembro, o mesmo dia de Oscar Wilde. Fui para casa em grande velocidade, para me colar à telefonia. Lá para a noite, havia um programa qualquer apresentado por Maria José Mauperrin, que tinha como convidados dois grandes especialistas em matéria de Beatles, David Ferreira (filho de David Mourão Ferreira, um amor de pessoa) e Bernardo Brito e Cunha, que eu uns anos mais tarde também viria a conhecer. Acho que o programa se chamava Jardim da Música. Telefonei para lá a refilar, porque achava inadmissível que em todo o dia não tivessem posto nem uma única vez She's Leaving Home e Revolution. Tinha as minhas razões, eram músicas fundamentais. Generation gap e coisas assim. Puseram-me em linha, em linha fiquei mais de uma hora a conversar com eles. À beira do sinal horário, a moderadora pediu que eu não desligasse, para podermos continuar a conversa a seguir às notícias. Dois ou três dias depois, vou ao Stone's. Vem o Nuno Debonnaire todo sorridente dar-me um beijinho. «Ó minha querida, você esteve brilhante!» Primeiro nem percebi. Depois ele explicou. Tinha-me ouvido. Não desde o princípio, mas desde os primeiros cinco minutos, talvez. E reconheceria a minha voz em qualquer lado. Fiquei roxa. Abreviando... desde esse dia decidi continuar sozinha a minha homenagem pessoal aos Beatles, na mesma data, tão simbólica. Um ritual religiosamente cumprido todos os anos – só possível por ser feriado. E daí, talvez não, que eu sou doida que chegue para tirar um dia de férias por tão nobre causa! O Victor costuma telefonar-me a meio do dia. Sabedor desta minha tara, e dependendo da hora, deita-se a adivinhar. "Deixa ver... pelas minhas contas, vais no Rubber Soul ou no Revolver..." Verifico uma vez mais, um sorriso da miúda que volto a ser escancarado de orelha a orelha, que continuo a saber de cor todas as letras. Que acompanho com um gesto tosco mas de grande precisão os famosos rufos de bateria de Ringo – ao segundo exacto. E que quando uma faixa chega ao fim começa imediatamente a ecoar na minha cabeça a seguinte, que eu sei muito bem qual é.
BEATLES FOREVER!
* Tirado daqui. Escrito faz hoje um ano. O Nuno de quem falo é o meu grande amigo Nuno, cuja missa de sétimo dia foi ontem. E que também era doido pelos Beatles.
6 comentários:
Arranquei as cordas à viola
Calei este altivo tambor
Emudeci meu prazenteiro canto
Sou tecelão de sentires no vale do desamor
Bom fim de semana
Mágico beijo
Já te conhecia a loja, só não tinha comentado ainda cá.
Um beijinho pelo teu amigo Nuno. A razão porque estou longe é a mesma: faz hoje 6 meses que a minha Mãe morreu.
Profeta,
Obrigada pela visita, se bem que não consiga perceber a relação entre o seu comentário e o conteúdo do post.
Mad,
Eu sei. Li hoje à tarde, numa aberta no trabalho, o post que escreveste cinco dias depois. Mero exercício de subtracção.
Como não há mesmo NADA que eu posso dizer... limito-me a deixar-te um beijinho.
Obrigada pela referência ao Nuno.
Esqueci-me de te dizer que as músicas preferidas da minha Mãe, que aos 84 ainda os ouvia, eram (além de Mozart), os Beatles, seguidos de perto pelos Dire Straits. :)
Que curioso... Mozart e Beatles, as minhas maiores paixões! E Dire Straits também...
Se fores à Gota, o post seguinte ao da morte do Nuno tem justamente uma música deles...
A tua Mãe era, parece-me, uma Senhora muito especial.
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