sábado, 24 de abril de 2010

As Mais Amadas #1: She's Leaving Home

Todos temos músicas que são as músicas da nossa vida. Quase sempre estão associadas a memórias e têm o condão de nos transportar no tempo. Achei que seria boa ideia que eu e o meu sócio fôssemos aqui deixando ocasionalmente as nossas.

Ao longo dos anos, fui gravando muitas cassetes (ainda se lembram desses objectos jurássicos?) com músicas dos Beatles, umas para mim, outras para oferecer. As canções que delas constavam só raramente coincidiam com as das colectâneas — Can't Buy Me Love e I Want to Hold Your Hand, por exemplo, que são possivelmente o expoente mais alto do auge da Beatlemania, nunca figuraram entre as minhas favoritas

Para mim, She's Leaving Home é, muito provavelmente, a melhor canção dos Beatles. Tantos anos passados, nunca consigo ouvi-la sem me comover. Poderão argumentar comigo que esta, aquela ou aqueloutra são ainda melhores, mas é difícil destronar uma escolha tão profundamente emocional como é esta minha. Não vale a pena entrar em pormenores sobre a  história da sua composição, qualquer busca na Internet fornecerá informação abundante, basta começar por este artigo da Wikipedia.

She's Leaving Home é, além de tudo o mais, que é tanto, que é o mundo inteiro, uma música que plasma como nenhuma outra o conflito de gerações, o famoso generation gap. Fixou para sempre no tempo a rebeldia da juventude da década de 60, na sua ânsia de voo a esbarrar em convenções e em incompreensão. Hoje, sendo já mais velha do que eram os pais da rapariga de quem não sabemos o nome e que, até por isso, mais representativa é de toda uma geração que viveu uma realidade semelhante, vejo os dois lados e condoo-me ainda mais. Compreendo-a a ela, compreendo os pais — coisa que, provavelmente, torna tudo ainda mais pungente. E, de caminho, não posso deixar de me maravilhar com o amadurecimento de Paul e John, à época apenas com 24 e 26 anos. A letra, que equaciona os dois lados da realidade com rara sensibilidade, é soberba.

Li ainda nos meus teen years um livro muito curioso. The Drifters, de James A. Michener, que recebeu em Portugal o esdrúxulo título de Os Filhos de Torremolinos. Para nós, portugueses, tem o interesse acrescido de a acção de dois dos seus capítulos decorrer no Algarve e em Moçambique, então ainda uma colónia nossa (a acção decorre em 1969).

À data da publicação do livro, 1971, o autor tinha 64 anos e conseguimos identificá-lo com o narrador, um homem muito mais velho que acompanha ocasionalmente aquele grupo de três rapazes e três raparigas em busca de identidade. E é justamente ele que, no capítulo Algarve, descobre (com dois anos de atraso) num restaurante do centro de Albufeira um disco chamado Sgt Pepper's. Fica perdido de amores por Lucy In The Sky With Diamonds, tamanho o poder evocativo que para ele tem o verso «a girl with kaleidoscope eyes»; em contrapartida, fala levianamente de She's Leaving Home, que resume numa frase que considero perdida de estúpida e que só pode ter sido produzida por quem não percebeu mesmo nada: conta a história de uma rapariga que foge de casa para ir encontrar-se com um homem da indústria automóvel. Generation gap no seu estado mais puro.

«Wednesday morning at five o'clock as the day begins
Silently closing their bedroom door
Leaving the note that she hoped would say more
She goes downstairs to the kitchen clutching her handkerchief
Quietly turning the backdoor key
Stepping outside she is free.

She (We gave her most of our lives)
is leaving (Sacrificed most of our lives)
home (We gave her everything money could buy)
She's leaving home after living alone
For so many years. Bye, bye

Father snores as his wife gets into her dressing gown
Picks up the letter that's lying there
Standing alone at the top of the stairs
She breaks down and cries to her husband Daddy our baby's gone
Why would she treat us so thoughtlessly
How could she do this to me.

She (We never thought of ourselves)
is leaving (Never a thought for ourselves)
home (We struggled hard all our lives to get by)
She's leaving home after living alone
For so many years. Bye, bye

Friday morning at nine o'clock she is far away
Waiting to keep the appointment she made
Meeting a man from the motor trade.

She (What did we do that was wrong)
is having (We didn't know it was wrong)
fun (Fun is the one thing that money can't buy)
Something inside that was always denied
For so many years. Bye, bye
She's leaving home. Bye, bye.
»

3 comentários:

Abel Rosa disse...

Boa ideia Partner...por mim vai ser dificil escolher as melhores. Um pedido aos leitores enviem tambem as vossas escolhas e digam porquê...

António P. disse...

Boa noite Teresa,
Difícil escolher a melhor.
Há tantos factores envolvidos ( a letra, a música, a idade com que a ouvimos, a 1ª vez que a ouvimos, etc ).
Esta é também uma das minhas preferidas.
Mas a eleger uma seria uma do mesmo album : " A day in the life ".
Cumprimentos

Teresa disse...

Tenho estado a reler o blogue, e a ver os comentários, sempre muito poucos, atendendo a que há mais de 200 visitas diárias.

Abel, não se trata das melhores. Trata-se das que são mais especiais para nós, e porquê.
Decididamente, vou lançar este desafio aos nossos leitores.

António P.,
E que tal começarmos por si? O que faz de A Day in the Life uma música tão especial para si que é uma das músicas da sua vida? :)