Jorge Amado sempre foi um dos meus escritores favoritos, e uma das maiores injustiças da Academia Nobel, que o deixou morrer sem lhe dar o tão merecido prémio.
A sua prosa cheia de poesia, muitas vezes de um lirismo que seria quase barroco se não o percebêssemos tão emocionado, tem também, quase sempre, um delicioso sentido de humor e uma malícia subterrânea quase constante.
Tieta do Agreste, publicado no Brasil em Agosto de 1977, esta é a capa da primeira edição portuguesa, de Maio de 1978. Deu até matéria para uma telenovela, parece que excelente, mas que nunca vi, de tanto que na época saía à noite. Não pegava no livro há uns bons quinze anos, pus-me ontem a relê-lo com o encantamento de sempre. E não resisto a transcrever uma passagem que encontrei na página 66, em que se refere uma das principais personagens, D. Carmosina, única funcionária do pequeno posto de correios de Sant'Ana do Agreste, sempre a devorar em primeira mão todos os jornais e revistas que chegam à perdida e minúscula povoação do Nordeste brasileiro.
«Perdida, nem sequer folheia as revistas, ela sempre ávida de saber de amores desfeitos, casamentos e desquites, brigas, festas, a vida brilhante dos astros de cinema, rádio, teatro, televisão. Revistas, Perpétua [irmã mais velha de Tieta, beata, rato de sacristia sempre a bater com a mão no peito, interesseira e odiosa] não as pagará. «Porcarias! Indivíduos sem temor a Deus, mulheres mostrando as vergonhas, uma indecência essas revistas. Em minha casa não entram. Se eu fosse Astério...» Felizmente não era, assim Elisa [irmã mais nova, sempre a sonhar com a vida nas grandes cidades] está a par de todas as fofocas e delira com as fotonovelas.
O conhecimento de Elisa reduz-se aos artistas brasileiros: uma especialista, pode-se dizer. Não possui a visão universal de D. Carmosina, cuja erudição nesses apaixonantes assuntos não se limita às fronteiras pátrias. Não há minúcia que ela desconheça sobre os Beatles, antes, durante e depois a da formação e dissolução do conjunto [se não fosse personagem de ficção terias aqui grande concorrente, Abel]. Erudição, conhecimento, curiosidade, pelo simples prazer intelectual de saber e dar quinaus em Aminthas, tarado pelos Beatles e por todos os conjuntos de rock, desvairado pelo som moderno. Aminthas possui electrola e gravador, gasta em discos e cassetes o que ganha e o que não ganha.»
Sem comentários:
Enviar um comentário