sábado, 16 de novembro de 2013

A entrevista ao Jornal de Negócios, sexta-feira, 15 de novembro

Uma entrevista muito engraçada, conduzia por João Cândido Silva,  as questões tinham humor, espero que as respostas estejam à altura. Mais abaixo o texto integral cortesia da Joana Lopes.




Cabeludos e barulhentos
15 Novembro 2013, 14:09 por João Cândido da Silva, Miguel Baltazar - Fotografia

Quando a "beatlemania" tomou conta do Mundo, a imprensa portuguesa recebeu o fenómeno com cepticismo. Os cabelos compridos tinham mais importância do que a música, qualificada como barulho e acusada de não ter trazido qualquer inovação. Psicólogos e sociólogos eram considerados as pessoas certas para analisarem o frenesim. No fim, o talento dos Beatles acabou por se impor aos preconceitos.
Abel soares Rosa, fotografado com alguns dos discos que integram a sua colecção. Entre os tesouros inclui-se a colectânea "Yesterday and Today", de 1966, com a capa original em que os Beatles surgem rodeados de bonecas decapitadas e pedaços de carne. A imagem geraria escândalo e acabaria por ser substituída.
  

"Os Beatles não fazem arte. Fazem escândalo. Eles rebentam as resistências emocionais e provocam reacções incontroladas. Uma plateia atacada de contracções beatlícas [sic] é um espectáculo degradante, no qual, ainda assim, quem se porta com mais juízo são os quatro cabeludos no palco. Inverte-se o resultado: eles é que gozam o espectáculo!". O editorial da revista "TV" é duro para a banda nascida em Liverpool. Mas resume o tom geral de algumas das avaliações que foram publicadas na imprensa portuguesa durante o período em que a "beatlemania" atravessou o auge.

Provavelmente sem o querer, o autor desta apreciação ao desempenho dos Beatles, publicada em Setembro de 1964, até acertou em cheio num aspecto. Mais tarde, quando a poeira assentou e os Beatles deixaram de ser acolhidos por multidões ululantes que, durante os concertos, abafavam os sons produzidos pela banda, o guitarrista George Harrison comentou que, nos primeiros anos de sucesso, parecia que todo o Mundo tinha enlouquecido e que as únicas pessoas sãs que restavam à face da Terra eram os quatro elementos dos Beatles.

A citação integra o livro "Os Beatles na Imprensa Portuguesa, 1963-1972", uma edição de autor de Abel Soares Rosa, em que são reunidas capas e recortes de revistas. Os documentos dão conta de como o fenómeno dos "fab four" foi acompanhado pelo menos por uma parte da comunicação social até à separação, na música e nos negócios, de John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr.

O autor é fã dos Beatles e coleccionador do mais diverso material relacionado com a banda (ver texto anexo). Para concretizar o projecto, recorreu ao seu arquivo e acrescentou "dois exemplares, cortesia de Luís Pinheiro de Almeida", autor de um dos textos de introdução, ao lado de Hunter Davis, responsável por uma das biografias de referência dos Beatles. Perante a abundância de matéria-prima, Abel Rosa afirma que "o mais difícil foi fazer a selecção. Tinha material para dois livros".

O livro reproduz artigos publicados numa época em que a censura do Estado Novo mantinha um olhar atento a tudo o que pudesse soar a suspeito. E se houve atitude com que os Beatles foram recebidos foi a suspeição e o cepticismo indisfarçados. São descritos como jovens "barulhentos e cabeludos", acusados de não terem trazido "nenhuma inovação" em matéria musical, produto de uma poderosa máquina de propaganda e engavetados no estatuto de fenómeno que exigia uma explicação de psicólogos e sociólogos.

Nos primeiros tempos, a música é remetida para um plano secundário e a aparência dos seus elementos é o assunto a que é dada mais relevância. A revista "TV" garante, em Setembro de 1964, que os cabelos de John, Paul, George e Ringo são "autênticos, talvez o mais autêntico deles". Pouco mais de um ano depois, a mesma publicação sublinha haver fabricantes de cabeleiras, que imitam os penteados dos Beatles, a trabalharem para dar resposta a vendas de 150 mil exemplares por semana. Na "Flama" de Fevereiro de 1964, escreve-se que os "fab four" "descobriram (simplesmente) a fórmula para ganhar dinheiro (...). Berram, saltam, fazem barulho".

A abordagem ao trabalho dos Beatles acaba por mudar e a música ganha preponderância. Em Agosto de 1967, o "Século Ilustrado" analisa o álbum "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band" e até publica as letras das canções. Em Outubro de 1969, dá três páginas à crítica do "Álbum Branco", incluindo um texto dedicado a cada uma das suas 30 faixas. Premonitória, a "Flama" de Outubro de 1969 edita um artigo sobre a possibilidade de separação da banda, intitulado "Adeus, Beatles". Desta vez, não se enganou.



Saiba mais
Ringo Starr deu um concerto em Portugal no dia do encerramento da Expo 98 e Paul McCartney abriu a edição de 2004 do festival "Rock in Rio". Mas estes dois eventos estão longe de serem os únicos pontos de contacto entre Portugal e os membros da banda de Liverpool.

O livro "Beatles em Portugal" revela que McCartney escreveu a letra de "Yesterday" durante uma viagem entre Lisboa e Faro, em 1965, e descreve as circunstâncias em que o músico compôs um tema intitulado "Penina", enquanto gozava uma segunda estadia no Algarve, três anos mais tarde. As ligações entre os "fab four" e o país, investigadas e reveladas neste livro, incluem um capítulo sobre o fabricante português dos cavaquinhos de que George Harrison era grande apreciador e pormenores como a discreta escala que Paul McCartney e Ringo Starr fizeram em Lisboa, com pernoita no Hotel Ritz, quando, em 1964, se encontravam em trânsito para um período de férias nas Ilhas Virgens.


Dez questões sobre os Beatles

Abel Rosa descobriu os Beatles durante o Mundial de 1966. Acha que não gostar de "Ob-La-Di Ob-La-Da" é coisa de "gajos de óculos" e rejeita a tese que acusa Yoko Ono de ter sido a "bruxa" que desfez a banda.

1. Qual foi a primeira canção dos Beatles que ouviu, quando e onde?
Foi durante o Mundial de futebol de 1966, onde os "magriços" e Eusébio eram notícia constante. À última hora, o jogo entre Portugal e Inglaterra mudou de Liverpool para Wembley, em Londres. Algures num programa da RTP tinha ouvido uma notícia, para mim, enigmática: "Eusébio na terra dos Beatles". De seguida, passaram as imagens e os sons de um grupo de jovens, cheios de ritmo, que cantavam qualquer coisa que acabava em "ié-ié-ié".

2. Qual é o segundo melhor álbum dos Beatles? Porquê?
O segundo melhor muda todas as semanas, porque o melhor também muda todos os dias. Os Beatles têm a arte de surpreender sempre que os ouvimos. O segundo melhor é aquele a seguir a "Rubber Soul". Hoje, é "Revolver". "Rubber Soul" é eterno, mas, amanhã, sábado, é a vez de "Please, Please Me". No domingo, veremos.

3. "Ob-La-Di Ob-La-Da" é a canção mais foleira dos "fab four"?
Gosto de "Ob-La-Di Ob-La-Da". É uma música simples, 'ska' ou falso 'reggae'. Nunca percebi o preconceito contra esta canção, coisa de 'gajos de óculos'. Além do mais, é o título do programa de rádio da RFM, entre 1988 e 1991, de Luís Pinheiro de Almeida e Teresa Lage que, durante três anos, nos deram tudo e mais alguma coisa sobre os Beatles. A vida é "Ob-La-Di Ob La-Da". É preciso mais?

4. Qual prefere? "Yesterday" ou "Tomorrow Never Knows"?
"Yesterday" é uma grande canção, tem milhares de versões e letra escrita em Portugal. Mas "Tomorrow Never Knows" é uma das minhas favoritas, pelo 'loop', a modernidade, o som surpreendente, com Ringo e a sua prestação exímia. O génio de Lennon em 1966, experimentem ouvir hoje, continua actual.

5. Yoko Ono é a culpada da separação dos Beatles?
É um lugar-comum que continua bem vivo. Deixem a Yoko em paz. Muitos fãs apontam-na como a 'bruxa', mas ela não foi mais do que a mulher da vida de John Lennon. O resto é mito. Os Beatles acabaram porque já não se entendiam e já não conseguiam comunicar. Foi uma zanga entre irmãos.

6. Onde gostava de ter estado no dia 1 de Junho de 1967?
Em Londres, a sair do autocarro em Oxford Street e a pisar o tapete vermelho na entrada da majestática HMV, de modo a adquirir a primeira edição de "Sgt Pepper's Lonely Hearts Club Band" no dia de lançamento e, quem sabe, recolher um autógrafo dos quatro Beatles.

7. Quem preferia ser? Jimmy Nichol ou Pete Best?
Qualquer um deles. Partilhar o palco com John, Paul e George, nem que fosse por cinco minutos, era motivo para ficar na história. Pete Best andou por Liverpool e Hamburgo, mas ficou pior na fotografia. Foi despedido e afastado sem glória. Jimmy Nichol cumpriu bem o seu papel de Beatle temporário, substituindo Ringo Starr durante a primeira 'world tour', em 1964, de 4 a 15 de Junho, por doença do Beatle.

8. Onde estava quando recebeu a notícia da separação dos Beatles?
Estava para os lados do Índico, em Moçambique, na cidade de Nampula. O meu pai era militar e a rádio (sempre a rádio) deu a notícia. Só mais tarde entendi que os Beatles nunca acabaram.

9. Qual é a banda que já chegou aos calcanhares dos Beatles?
Todas as que trabalharam intensamente, as que fizeram 'sets' de 12 horas, oito dias por semana e em espeluncas de bairro. Aos calcanhares não conheço. Lá mais para baixo há algumas e boas e há sempre um miúdo que nos surpreende, por exemplo, Jake Bugg.

10. Se fizesse um inquérito em que o tema fosse os Beatles, que pergunta colocaria? Já agora, faça a pergunta e dê a resposta.
'Gosta dos Beatles? Porquê?' Gostar dos Beatles é ter o imenso prazer de os ouvir num gira-discos mono, ler uma biografia autorizada, pendurar um cartaz 'vintage' do filme "Help", brincar com um 'yellow submarine' da Corgi Toys e, no final, sentir a imensa alegria e a generosidade da arte dos quatro de Liverpool. Os Beatles revolucionaram a música popular. Cinquenta anos depois do seu primeiro disco, muitos de nós, multi-gerações, ainda procuramos abrigo nas suas músicas.



A colecção que já não sabe a quantas anda
"Os Beatles não são um 'hobby', são uma paixão", diz Abel Rosa. Nasceu em Lisboa, tem 55 anos, é "software marketing manager" na IBM Portuguesa e afirma não resistir a "qualquer objecto relacionado com os Beatles e a sua história". Começou a acumular material na época em que a banda de Liverpool ainda se encontrava em actividade e nunca mais parou. "Sempre que viajava, procurava locais onde encontrar essencialmente discos de vinil", explica. Hoje em dia, abastece-se em lojas da especialidade em Lisboa, "como a 'Discolecção'". Uma alternativa "é o imenso mercado de oferta do eBay, onde tudo se encontra, embora, muitas vezes, a preços exorbitantes e especulativos". Discos, livros, revistas, bonecos, brinquedos, "pins", cartazes, fotografias, relógios e filmes integram uma colecção a que já perdeu a conta. "Francamente, não sei com exactidão", responde, quando se tenta saber quantas peças possui. Depois de dois livros dedicados às discografias portuguesas, em 45 rotações, dos Beatles e dos Rolling Stones, Abel Rosa planeia fazer uma obra semelhante, mas dedicada às capas dos "singles" nacionais de bandas britânicas dos anos 1960 e 1970. "Dos Beatles, encerrei um ciclo", afirma.


1 comentário:

Teresa disse...

Acabei por ler a entrevista em directo e em papel (arranjei o jornal esta manhã).
Perguntas diferentes das habituais. Gostei mesmo muito.